quarta-feira, 10 de junho de 2015

“Carta da prisão”, por Khalida Jarrar*

“Carta da prisão”, por Khalida Jarrar*

O texto que se segue é de Khalida Jarrar, prisioneira palestiniana detida por Israel desde o passado dia 2 de Abril de 2015. Escreveu esta carta na prisão no dia 2 de Junho de 2015. 
No dia 20 de Agosto de 2014, as forças armadas israelitas entraram na sua casa, em Ramallah, para lhe dar a ordem de exílio na cidade de Jericó, com a interdição de sair durante um período de seis meses. Khalida recusou e montou um acampamento de protesto à frente do Conselho Legislativo Palestiniano, em Ramallah. A sua luta, nesse momento, foi vitoriosa. A 2 de Abril de 2015, mais de 60 soldados israelitas atacaram novamente a sua casa e detiveram-na. Foi-lhe ordenada detenção administrativa com 12 processos de culpa, nomeadamente o de pertencer a uma organização ilegal e de participar em manifestações. Interrogada no centro de detenção de OFER (Cisjordânia), foi em seguida levada para a prisão de Hasharon, na Palestina Ocupada. 

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"Envio-vos esta mensagem da prisão, quando ainda não sei qual será o meu destino,
quando ainda não sei quanto tempo vou passar nesta prisão suja que não é feita para seres humanos, 
ainda não sei se encontrarei um médico digno desse título se ficar doente,
não sei se a comida que me dão é poluída ou se a água não está envenenada, 
não sei quando é que o meu carrasco vai investir a minha cela para me impedir de dormir e violar a minha intimidade.
 Não sei quando é que vou poder agarrar os meus filhos, Yafa e Suha, nos meus braços, 
não sei quando é que vou ver o meu marido ou abraçar os meus pais.
Sei que para tudo isto preciso de vós, de cada voz livre neste mundo, para que ele repita com o meu povo e eu própria: Abaixo a ocupação, viva o povo da Palestina Livre.
“Nunca deixei de falar na causa dos prisioneiros políticos: o número, as condições de detenção, das estatísticas e percentagens… eu falo de um milhão de palestinianos que passaram pelas prisões israelitas desde 1967 – este número significa que um em cada quatro palestinianos esteve detido pelo menos uma vez na sua vida. Falo das centenas de mulheres que foram detidas. Falo também dos milhares de crianças que foram presas numa violação constante a todas as leis e convenções internacionais. Neste mesmo instante, 240 crianças estão na prisão entre os 11000 prisioneiros palestinianos. Entre estes existem doentes graves e sem acesso a tratamento, o que significa uma condenação à morte. Alguns deles são pessoas com uma idade bastante avançada. Há também cerca de 600 prisioneiros, sem ter o número exacto à mão, que passam por períodos de detenção administrativa sem nenhuma justificação jurídica ou acusação, exceptuando a utilização de um decreto militar britânico que data da colonização britânica na Palestina há 70 anos, sincronizada com o fim da época Nazi, o que nos reenvia infelizmente àquilo que eu descrevo da nossa época. Há 9 anos que ocupo o lugar de Presidente da comissão dos prisioneiros palestinianos nas prisões israelitas, como deputada eleita pelo povo palestiniano em luta pela sua libertação. Fui durante 13 anos a Directora Geral da Associação Addameer pelos direitos dos palestinianos e direitos humanos, uma das associações mais importantes que tem por missão a defesa dos prisioneiros. Isto significa que consagrei os últimos vinte anos da minha vida a trabalhar na defesa dos prisioneiros da Palestina nas prisões do colonizador e no seu combate por uma liberdade que lhes foi roubada por uma das últimas ocupações coloniais que resta no nosso planeta.
Durante todos estes anos, e em particular desde a minha eleição, onde me tornei representante dos palestinianos, defendi com toda a minha força os prisioneiros e o seu direito a lutar contra as condições das detenções e os métodos utilizados nos interrogatórios, entre confidências forjadas e falsas acusações. Defendi os seus direitos a ter acesso a serviços médicos, o direito à vida e à libertação. Eles não são culpados de defender a liberdade do seu povo oprimido, uma acção reconhecida por todas as leis internacionais e pelas Nações Unidas, cujas leis e convenções deveriam aplicar-se a todos nós.
Sempre me enderecei aos povos de todo o mundo, pedi aos deputados, aos representantes dos governos e presidentes, para se meterem ao lado dos detidos palestinianos, ao lado daqueles que procuram justiça, liberdade, valores e direitos humanos. Sempre exigi a condenação da ocupação, a sua sanção e o seu fim. Acredito que isto é o nosso dever, é o vosso dever tal como é o nosso, nós, os Palestinianos.
Hoje, afirmo não ter mudado de ideias: as minhas posições, as minhas convicções e as minhas vontades permanecem intactas, no entanto, o meu olhar é diferente, observo a realidade de uma outra perspetiva, a partir da qual vejo as coisas mais claramente. Hoje, faço eu mesma parte das prisioneiras de que falei anteriormente, uma entre os 6000 prisioneiros, uma entre aqueles que sofrem a violência dos carrascos, que sofrem o peso da injustiça a cada dia, a cada hora, a cada instante.
Hoje, desde que fui detida na minha casa, em frente da minha família e do meu companheiro, fui privada do meu dever de servir aqueles que me elegeram. Hoje, sofri eu própria as técnicas dos soldados dos ocupantes, armados até aos cabelos, chegando à minha casa, com toda a atrocidade, no meio da noite, algemando-me, tapando-me os olhos e conduzindo-me para um lugar que desconheço.
Hoje fui informada que a minha detenção administrativa foi ordenada, uma detenção fundada sobre um decreto mais velho do que eu, um decreto que não se coaduna nem com a humanidade nem com a nossa época. Hoje o governo do ocupante tremeu depois de ter sofrido a pressão de pessoas livres de todo o mundo (condenando a minha detenção sem nenhuma acusação). Mas isso não impede o ocupante com as suas leis racistas de me enviar diante um tribunal, que todos sabemos ilegítimo, diante juízes que todos conhecemos a sua incompetência, pois um carrasco nunca poderá ser o juiz da sua vítima.
Mesmo que consigamos encontrar erros nestas leis caducas, falta uma última palavra, a do representante do ocupante, o procurador, uma vez que nenhuma autoridade está à altura da colonização e das suas regras, o ocupante não respeita mesmo as sua próprias leis injustas e o seu sistema jurídico já implicado por si mesmo.
Isto é para nós o preço a pagar pela nossa libertação, pela nossa dignidade e a do mundo inteiro. Nós ficamos mais fortes com a vossa solidariedade, nós ficamos de pé e continuamos a nossa luta enquanto ouvimos a vossa voz solidária com a nossa resistência.
Envio-vos esta mensagem da prisão, quando ainda não sei qual será o meu destino, quando ainda não sei quanto tempo vou passar nesta prisão suja que não é feita para seres humanos, ainda não sei se encontrarei um médico digno desse título se ficar doente, não sei se a comida que me dão é poluída ou se a água não está envenenada, não sei quando é que o meu carrasco vai investir a minha cela para me impedir de dormir e violar a minha intimidade. Não sei quando é que vou poder agarrar os meus filhos, Yafa e Suha, nos meus braços, não sei quando é que vou ver o meu marido ou abraçar os meus pais.Sei que para tudo isto preciso de vós, de cada voz livre neste mundo, para que ele repita com o meu povo e eu própria: Abaixo a ocupação, viva o povo da Palestina Livre.
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* Khalida Jarrar, 52 anos, é militante feminista, dirigente do FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina), deputada do Conselho Legislativo Palestiniano.

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